Caros leitores, hoje resolvi falar mais de mim do que qualquer outra coisa. O que me motivou a fazer isso foi um aluno que depois da aula me perguntou se eu gostava mesmo dos concertos de música contemporânea que eu o havia levado (com sua turma) para assistir. Eu nem titubeei e respondi que sim., porque gosto mesmo. Aprendi a gostar. Bom, ele, pelo jeito, tem um longo processo pela frente... pelo menos foi sincera a sua manifestação de desprezo por aquilo que ele acredita que não gosta. Eu compreendi porque fui um pouco como ele num determinado momento da vida. Vim pra casa pensando em como foi o meu processo até chegar nesse lugar tão favorável à audição musical de toda e qualquer espécie. Agora tento me explicar, mas, para isso, faz-se necessário um percurso meio longo que é o que percorri até aqui. Tentarei ser breve... e ir ao ponto crucial da pergunta do garoto da faculdade.
Há não sei bem quanto tempo comecei a frenquentar concertos e espetáculos musicais. Foi quando cheguei em Curitiba que tomei mesmo gosto pela música, pelo palco, pelos artistas brasileiros. Minha família, muito musical, sempre me ofereceu aos ouvidos o melhor da música nacional e internacional. Minha mãe, uma afinadíssima cantora que decidiu, infelizmente, ser dona de casa, mãe e esposa... meus tios todos cantavam, compunham, vocalizavam, meu pai era um apaixonado pela música brasileira, também cantava e como um bom carioca se virava muito bem na percussão. Nossa casa vivia repleta de músicos e amigos que adoravam música. E do maxixe ao samba, do choro ao samba-canção, da Bossa Nova à Tropicália e à Jovem Guarda, tudo caiu no meu ouvido. Isso inclui Elizeth Cardoso, Tito Madi, Noel Rosa, Tom Jobim, Silvio Caldas, Vinícius, Chico Buarque, Tom Zé, Edu Lobo, Elis Regina, João Bosco e tantos outros... quase tudo nas vozes familiares dos meus pais e tios, nas muitas e boas festas que aconteciam quase todo final de semana, lá em Santo André.
Claro que na dolescência eu desviei desse caminho e fui curtir uns pops... mas eu gostava do Bee Gees, que salvas as devidas proporções estéticas, se refletiu no meu trabalho com O Tao do Trio ( rsrs o Vicente Ribeiro não vai gostar da comparação). Fui muito fã da Rita Lee, da Marina Lima que na época era só Marina... da Cor do Som, a Década Perdida quase me absorveu... Cazuza e o Barão Vermelho, Lobão e Titãs... o "nascimento do rock nacional" como o conhecemos hoje... meio pop ainda, mas na época era no Cassino do Chacrinha... e Caetano, Gal, Gil eram pops...
Bom, dos estrangeiros, sempre Beatles, Rolling Stones, Elvis Presley, os Jackson Five, os Carpenters, Aretha Franklin... mas minha paixão mesmo foram Pink Floyd, Led Zeppelin, Genesis, Jethro Tull, Frank Zappa... essa fase foi a mais radical. Disso tudo e sei mais o que que eu consumia, passei ao universo da Música Erudita. De cara Carmem de Bizet. Não foi fácil aprender a gostar de ópera. Os primeiros concertos eruditos eram obrigação da faculdade. Depois prazer... me apaixonei por Debussy, enjoei de Strauss e de Vivaldi de tanto que ouvi, me assutei com Luciano Bério... ri desembestada da minha primeira vez com Cage e seu silêncio e seus pregos e parafusos no piano preparado, sonhei que era a escandalosa e autoritária rainha da Flauta Mágica, me surpreendi com Wagner, chorei com Villa Lobos e Bach... sentia mesmo alegria de ouvir a velha e a nova música ocidental em sua magnitude e beleza distinta.
Muito disposta estudar violão clássico, mas não tão disciplinada para me tornar uma instrumentista e com um ouvido cheio de música de toda essa gente que mencionei, entre concertos, Lps e fitas kassete com tudo o que eu ouvia, não demorou muito pra que eu me voltasse às cifras da canção brasileira me acompanhando às escondidas por horas e horas no meu quarto. Comecei a tirar as canções do Milton Nascimento, do Chico Buarque, dos Beatles que eu amava desde sempre e a sair por aí com meu violão debaixo do braço, fazendo graça e tirando onda de músico! rsrsr... Fui estudar, não tinha outro jeito. Meio a meu modo intuitivo, mas fui. Fiz faculdade de música, filhos e tornei-me uma arte-educadora musical, aos poucos e devagarinho vim construindo a cantora, ainda em processo... Conheci o jazz, o choro, a música de câmara, a ópera, o rock, a história da música ocidental, da mpb... e ainda estou conhecendo, claro... gastei muito com cds novos e relançamentos, hoje meu consumo já está mais cibernético... mas adoro ler encartes, ver quem toca o que e curtir de verdade... Mas a minha onda mesmo seria a música vocal, que entre Bee Gees, Beatles, Carpenters, Manhathan Transfers, não teve jeito, ela me chamou... acho que a harmonia do canto dos familiares, dos sons da minha casa na infância foi a mais decisiva influência para essa escolha. Sempre contralto, minha função nos coros era sempre harmônica... eu adorava... ainda adoro. Passei pelo Abominável Sebastião das Neves, pelo Sala XV, pelo Cardápio, pelo Coral da UFPR e pelo Coral de Curitiba. Cantei de tudo. Fui backing vocal, corista de ópera... hoje sou Nimpha, uma tal d'O Tao do Trio e, do Vocal Brasileirão, uma contralto cotrariada em abstinência temporária!
Mas uma coisa é fato: antes de tudo isso aí (e tudo isso é nada ainda) eu sou mesmo público, plateia. E sorvo a música dos meus pares e dos meus ídolos e dos ícones emblemáticos da música histórica e atual. Sempre que posso eu me sento pra ouvir música. O importante é ouvir. Ouvir e perceber a graça de cada estilo e de cada artista que cai em minhas mãos e ouvidos. Quando um trabalho musical me chega eu ouço compulsivamente. A cada audição uma experiência nova. Espetáculos musicais são imperdíveis, imprescindíveis e vitais para alguém como eu. Um certo investimento de tempo e de dinheiro é necessário mas, quase sempre, o meu prazer de ouvir não pode ser evitado... quase um vício. Quase? Não. Um vício.
Não sei bem no que, nem como, nem por quê isso me faz bem.
O exercício de refletir sobre os fenômenos acústicos das peças musicais que me afetam é como um efeito retardado de prazer... uma espécie de ressaca do bem.... se isso não acontece, e confesso, é raro.... é porque não me tocou mesmo... Não que eu goste de tudo, já falei que não gosto. Não é isso. É só uma disposição pra conhecer que me move a ouvir coisas diferentes. Gosto de música caipira, de rock, de fandango, forró, samba, sonata, concerto, sinfonia, salsa, bolero... deixo os sons entrarem pelos sete buracos da minha cabeça como uma presença etérea. Não consigo ler e estudar com música... eu largo de estudar, óbvio, e paro pra ouvir. Uma maldição/benção que me tortura/alenta até mesmo quando durmo... eu ouço melodias e acordes que ressoam diuturnamente nos meus ouvidos. E não tem só a ver com memória não... é algo real, acontece de fato o tempo todo e que é físico sem ser.
Eu sei que, talvez, outras pessoas se sintam como eu, absorvidas pela orgnização musical engenhosa dos sons que saem das mentes e mãos alheias. Gosto de ouvir os arranjos, de intuir caminhos de condução para a melodia, de perceber as nuances até reconhecer possíveis citações e referências do compositor ou do intérprete e me surpreender a cada vivência... Com um pouco de atenção, a gente vai ficando craque e reconhece o traço particular de cada compositor, suas preferências cadenciais, linhas melódicas, cores de timbres instrumentais e vocais, até mesmo a reconhecer o som particular de cada instrumentista... só hábito de ouvir e saber o que, quem e como ouvir...
Não tenho fórmulas mágicas, apenas um conselho: Ouça de verdade. Exercite sua capacidade de enxergar os meandros arquitetônicos dos sons das músicas. Perceber beleza até mesmo naquilo que talvez você nunca se submeta a fazer, do tipo eu cantar axé, por exemplo... nada contra, mas eu curto fazer outro tipo de música... Há muitas músicas pra conhecer. Isso é o que me faz vibrar: nunca se esgotará a capacidade humana de organizar sons em coisa musical.
Na verdade esse blog é meio isso: acho que de tanto ouvir, agora eu resolvi falar... ruminando meias críticas embaçadas pela minha subjetividade, eu sigo ouvindo coisas pra poder verborragiar meus devaneios nessas mal traçadas linhas. Leia quem puder, concorde quem quiser, mas me intriga muito mais a argumentação de quem tem algo mais a declarar. Sei de nada não... só que gosto de ouvir. Eterna aprendiz, sou eu, a Cris.
E ao meu aluno eu desejo uma boa viagem ao mundo dos sons que compoem as músicas que ele ainda há de conhecer... E, como mencionou Maria Bethânia num recente DVD (aqui grotescamente parafraseada): A música é como perfume... - ela te invade, entra, penetra sem que você possa resistir ao seu encanto e te aprisiona para o bem ou para o mal...
Agora vou ouvir Chet Baker... deu vontade... enjoy it!
4 comentários:
Lindas e inspiradoras palavras, Cris. Às vezes esqueço de parar para ouvir e destrinchar música, e esse é um ótimo lembrete.
Amore! Admiro a eterna aprendiz e ainda mais a professora e a irmã então, morro de amores!
Além de uma fonte inesgotável de talento, tens radar para adquirir conhecimento, e tb o dom de transmiti-lo.
Gracias a la vida que me ha dado una hermosa hermana.
Delicia de texto Cris!Eu fã número um desde sempre da cantora que muito cedo despontou, agora me cativa seu estilo na dificil arte da escrita.
Taí, gostei dessa sua incursão pela blogosfera!Vai fundo!cantando, falando ou escrevendo estarei aqui aplaudindo, criticando as vezes, hehe, mas sempre babando, orgulhosa das minhas crias, rsrs...
Mamilita... eu te amo! Obrigada...
Xanda... em dezembro quando eu estiver por aí, será que escreveremos alguma coisa? Música eu sei que a gente fará... aliás, tem tempo que não fazemos isso...
Flávio Lira... muito me honra sua visita!!!
Abraços nos três ousados leitores que se deram ao sacrifício de ler as minhas coisas... (no caso da minha família, uma corujice ímpar!!! amo vcs, suas lindas...)
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